Nova York, 9 de Novembro de 2024
Querido leitor,
Enquanto escrevo esta carta sinto meu corpo ainda digerindo o resultado das eleições nos EUA. A noticia veio na manha de quarta. Acordei, virei para o lado para alcançar o celular na cabeceira e, lá estava a foto de Trump estampada em todos os sites de noticias… NY Times, Washigton Post…"temos um vencedor!”.
Enquanto lia a notícia sobre o vencedor, me dei conta que a partir daquele momento, eu e mais outros, enquanto perdedores, perdíamos muito mais que uma eleição. Perdíamos direitos e um pouco da sanidade mental que resta. Foi uma campanha agressiva, racista e misógina. Todo o pacote completo estava lá, incluindo o ódio e as mentiras.
Levantei da cama e fui me arrumar para o primeiro compromisso do dia. Pra minha sorte (ou azar?) eu tinha um encontro com um grupo de colegas para discutir o tema sobre imigração e desejo. Será que eu conseguiria falar algo de imigração e desejo naquele dia? Acabou sendo um espaço importante de acolhimento.
A vida do imigrante é cheia de altos e baixos, como a vida de qualquer outra pessoa. No entanto, tem algo que considero específico aos que migram: em momentos difíceis é comum ser tomado por questões sobre o sentido de estar no país estrangeiro. Os sentidos dados podem ficar confusos e as perguntas balançam certezas não tão estáveis. Migrar para outro país é uma decisão que se toma todos os dias em algum nível.




Apesar do turbilhão da semana, consegui encontrar algo para comemorar: as notícias sobre o filme Ainda estou aqui de Walter Salles. O filme tem sido um sucesso nas salas de cinema do Brasil. Eu comemoro a cada entrevista dos atores, do diretor, a cada prêmio e reconhecimento nacional e internacional recebido.
Contei no instagram sobre o dia que fui assistir ao filme no Lincoln Center, em NY. Confesso que fui sem saber nada sobre o filme, não sabia nem que se passava na época da ditadura. Fui pega de surpresa com a história triste e comovente de Eunice Paiva. Uma família cheia de luz até que encontram a escuridão.


Me emocionei algumas vezes no filme, mas quando ela, Fernanda Montenegro, apareceu na tela, nossa… uma onda de emoção tomou conta da sala do cinema. Aliás, se possível, vejam o filme no cinema. A experiência do coletivo adiciona uma camada interessante.
Em muitas entrevistas Fernanda Torres fala sobre a atualidade do filme, e eu concordo nesse aspecto com ela. O extremismo retratado se reatuliza em diferentes formatos nas políticas atuais. Aliás, não se trata de um filme sobre a ditadura, é um filme sobre uma mulher, mãe, ativista e sua forma de lidar com um luto impossível. Acredito que, nesse momento, podemos nos inspirar na lucidez de Eunice e buscar espaços para direcionar os afetos, as tensões.
Falar do desamparo que atravessa o filme e dessas eleições é em última instância falar de perdas irreparáveis. Como dizem por aí, a luta segue. Sigamos. Eu Ainda estou aqui, e você?
Mariana Anconi