Você recebeu uma carta! #11
Edição 11: Uma casa para a alma: despedida do Elizabeth Street Garden
Nova York, 6 de Abril de 2025
Numa tarde de terça-feira, finalizei minhas atividades com pacientes e fui dar uma olhada nas redes sociais. Após alguns minutos “passeando” por posts aleatórios, soube que haveria uma espécie de despedida de um jardim, pois, em breve, aquele espaço seria outra coisa. Não pensei muito, me apressei em pegar o metrô e fui até lá para me despedir também.
Enquanto me aproximava da rua do jardim, já conseguia escutar uma voz forte ao microfone, em tom triste e de crítica. Segui a voz que me conduziu ao portão do jardim. Senti como se estivesse entrando em um jardim secreto. Um pequeno aglomerado de pessoas se formava para uma despedida um tanto quanto dolorosa para a cidade. O motivo não é novidade: empresários querem substituir um jardim por um prédio de luxo.
O jardim em questão é o Elizabeth Street Garden, um espaço cercado por prédios, algumas árvores e pássaros. Um refúgio em meio ao concreto de Manhattan. Muitos não conhecem o Elizabeth Street Garden, eu mesma, não o conhecia, estava na minha lista de “oásis” na cidade, mas adiei demais a ida, ao ponto de conhecê-lo em sua despedida. Não é um lugar procurado por turistas. É um espaço para quem vive a cidade, não apenas a visita.
Caminhei por entre as pessoas em direção ao gazebo, onde foi instalado um microfone para que os frequentadores pudessem compartilhar suas memórias sobre o lugar. Uma moça segurando um papelzinho na mão pegou o microfone e, emocionada, contou sobre as tardes que passou ali, escrevendo poemas para um futuro livro. O jardim também é um lugar de palavras, de respiro e de pausa.
De repente, um burburinho começou entre as pessoas. Alguns gritos entusiasmados, câmeras apontadas para o gazebo e então, ela: Patti Smith pegou o microfone. Dali em diante, senti-me de certa forma conectada com todos ali. As pessoas não estavam apenas lamentando a perda do jardim, mas também o fato de que seus filhos talvez nunca pudessem frequentá-lo. Crianças circulavam com os pais, tropeçando ainda no caminhar, sem saber que aquele caminhar não se repetiria no futuro naquele jardim. Todos estavam em luto por um futuro impossível.
Patti cantou algumas músicas, como People have the power e We shall live again e, depois, leu um texto/manifesto que tocou a todos ali presentes. Ela defendeu a importância da moradia/ casa para as pessoas, mas também defendeu o direito às "casas para a alma", na cidade.
O jardim é exatamente isso, uma casa para a alma.
O Elizabeth Street Garden tem uma história de quase dois séculos como espaço público. Originalmente, o local abrigava a Public School No. 5, inaugurada em 1822, que oferecia aulas noturnas gratuitas para negros e latinos, além do ensino regular. Em 1904, uma nova escola, a P.S. 21, foi construída no local, projetada pelo arquiteto Charles B.J. Snyder, incluindo áreas externas para recreação. A escola foi demolida na década de 1970, deixando o terreno vazio por vários anos.
Em 1991, o antiquário Allan Reiver, proprietário da Elizabeth Street Gallery, obteve permissão para alugar o terreno e transformá-lo em um jardim. Ele incorporou diversas esculturas e elementos arquitetônicos de sua coleção pessoal, criando um espaço único com plantas e arte.
Entre as esculturas, destacam-se os leões de pedra. Dizem que estátuas de leões são utilizadas em várias culturas como símbolos de proteção. Mas, nesse caso, nem mesmo os leões conseguiram proteger o jardim do mercado imobiliário.
O jardim é visto por muitos como um refúgio importante para a comunidade local, oferecendo não apenas um espaço verde, mas também um local de arte e eventos culturais. Moradores do bairro e defensores dos espaços verdes urbanos se opõem à destruição do jardim, argumentando que ele é um importante ponto de convivência e identidade comunitária em uma área já saturada de construções comerciais e residenciais.
Por outro lado, os desenvolvedores alegam que a construção de novos imóveis pode trazer benefícios, como a criação de mais unidades habitacionais em um bairro onde a demanda por moradia é alta. Essa é uma disputa comum em centros urbanos como Nova York. E, também, já sabemos o final. A destruição desse jardim traz à tona uma questão maior:
como queremos que as cidades cresçam? O que deve ser preservado? O que deve dar lugar ao "progresso"?
Essa disputa expõe questões maiores sobre o que se escolhe preservar na cidade. O Elizabeth Street Garden se tornou um símbolo dessa tensão entre espaço e mercado, entre resistência e "progresso”, como se um jardim fosse o oposto de progresso. No fundo, talvez seja sobre mais do que um jardim. Talvez seja sobre a cidade que queremos construir… ou perder.
Até a próxima,
Mariana Anconi
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Excelente reflexão, parabéns!